Desmitificando deficiências – Paralisia Cerebral

Hoje deixo vocês com um grande texto da  Ana Raquel Périco Mangili, estudante de jornalismo. Gostar, tenho certeza que vão, agora, eu peço que reflitam, aprendam, divulguem, pois só assim vamos acabar com o desconhecido!!!!!

Vai Ana:

Desmitificando deficiências – Paralisia Cerebral

A pedido da psicóloga Carolina Câmara de Oliveira, vim fazer um comentário sobre uma matéria que aborda o tema da Paralisia Cerebral, com o objetivo de mostrar como essa deficiência ainda é tratada de forma errônea pela sociedade. A reportagem “Teve paralisia cerebral por salvar irmã de incêndio e foi abandonado pelos pais” foi publicada no dia 23/09/2015 no Portal Minha Saúde IG e pode ser conferida neste link: http://saude.ig.com.br/minhasaude/2015-09-23/teve-paralisia-cerebral-por-salvar-irma-de-incendio-e-foi-abandonado-pelos-pais.html

Essa matéria traz aspectos positivos ao divulgar o trabalho da Associação Cruz Verde, que atende pessoas com paralisia cerebral grave no Brasil, e também ao expor as injustiças sociais nos casos de pais que abandonam seus filhos quando as crianças adquirem uma deficiência. Porém, há alguns erros de abordagem e nomenclaturas na reportagem, quando ela se refere à paralisia cerebral, o que contribui para a perpetuação dos estereótipos acerca da PC e a mistificação a respeito das vidas das pessoas que têm essa deficiência.

A começar pela frase de abertura da matéria. “Brendo* era um menino saudável...” (se referindo à vida do menino antes de ele adquirir a PC). Isso quer dizer que quem adquire paralisia cerebral não tem mais saúde? O conceito “saudável” é algo extremamente variável e causa confusão. O oposto da palavra “saúde” é o termo “doença”, e não deficiência! A deficiência é uma característica do corpo, uma permanência, não é uma patologia estranha ao indivíduo. A partir do momento em que se adquire uma deficiência, ela modifica e se integra ao estado da pessoa, não é algo que possa ser “curado”. Ou seja, a pessoa com deficiência não é “doente”, apenas está em uma nova condição física, sensorial e/ou intelectual.

O conceito de “doença”, por si só, também é algo que necessita de reflexão. Não pela definição médica do termo, mas sim pelos estigmas sociais que ele carrega. Ao se referir a um indivíduo com alguma doença (ou até mesmo deficiência!), costuma-se imaginar a pessoa em estado terminal, com sua vida parada e totalmente afetada por essa adversidade. Esquece-se da variedade das patologias e da capacidade humana de resiliência, de adaptação. Ter uma doença/deficiência não faz um indivíduo ser diferente socialmente, apenas biologicamente. A diferença maior é causada pela sociedade, através da falta de acessibilidade e, consequentemente, de oportunidades de acesso a serviços e produtos que possibilitem uma vida digna e igualitária para todos os cidadãos.

Enfim, voltando à matéria mencionada acima, há ainda esse trecho: “Por ser uma doença em que a notificação não é compulsória, é difícil estimar a incidência da paralisia cerebral no Brasil”. Novamente, repito: deficiência não é doença! A PC é definida como uma alteração no cérebro de uma criança, que pode ocorrer antes, durante ou depois do nascimento. Essa alteração pode ser de origem física (trauma cerebral) ou química (desregulação da atividade neuronal). Também pode afetar todo o cérebro (incluindo o intelecto da pessoa) ou apenas uma função física e/ou sensorial.

A PC pode causar incoordenação motora, uma paresia ou paralisia física, mas não do cérebro, ao contrário do que o próprio nome sugere. O cérebro humano possui uma incrível habilidade que é a plasticidade neural. Quando uma parte das células cerebrais é lesionada, outras podem se adaptar para substituir o trabalho dessas que foram afetadas. Sendo assim, a criança não vai ter o cérebro parado. Por isso, sinto até que é estranho dizer que tal pessoa “tem” paralisia cerebral. O que se tem de fato são as sequelas causadas pela lesão física ou desregulação química do cérebro: espasticidade, distonia, ataxia, e demais. Outro nome que se pode usar para definir de modo geral a PC é “encefalopatia crônica não progressiva”.

Porém, essa questão do emprego errôneo da nomenclatura não é algo exclusivo da matéria mencionada acima. Por mais que, atualmente, o termo PC venha caindo em desuso (de modo lento, mas ainda assim presente), algumas terminações tornam-se difíceis de serem mudadas. Nesse ponto, até que é, de certo modo, compreensível a situação. O que não podemos permitir é que os estereótipos acerca da pessoa com deficiência limitem a liberdade e a dignidade humana, de modo a favorecer a discriminação e a difusão de mitos na sociedade.

Por Ana Raquel Périco Mangili.



Até mais,
bjo,  

Carol

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