Vestibular parte 2

Assim, no meu segundo momento de vestibulares, foram cartas e cartas, encontros e desencontros, telefonemas e e-mails para diretores de faculdades e coordenadores de exames, explicando a minha necessidade de ter um escriba que conhecia as matérias. A primeira dúvida era sempre a mesma: mas uma pessoa conhecida e conhecedora das matérias vai fraudar o vestibular!! Em alguns momentos, achei que ia ser presa, tamanha era a força dessa afirmação. Explicações de meus pais, minha fono e minhas não faltaram para convencer as coordenações de que o que pedíamos era apenas uma igualdade de condições no vestibular em relação aos outros candidatos. Chegamos a dizer que podiam encher a sala de fiscais para observarem a realização da prova. Foi muito difícil de convencê-los, mas acabei fazendo o vestibular em todas elas.

O primeiro exame, desta segunda fase, foi o mais tenso. A faculdade, muito organizada, bonita e aparentemente preparada para receber deficientes (vaga exclusiva no estacionamento, rampa e elevadores para cadeirantes) demonstrou total despreparo para o acolhimento de candidatos com necessidades especiais a uma vaga em um de seus cursos. Embora tivéssemos acertado antes com a coordenação do vestibular a presença da escriba conhecida (com alguma facilidade até, é importante que se diga), na hora do exame, a senhora pedagoga (a mesma do vestibular anterior) apareceu na sala, com o excelentíssimo diretor da Faculdade, chamando minha escriba de canto para dar-lhe a seguinte ordem: saia da sala que eu assumirei seu lugar. É importante que Carolina não perceba sua saída!

Não perceber a saída de minha escriba! Eu, que estava me candidatando a uma vaga no curso de Direito não perceberia a ausência daquela que me ajudaria a escrever a prova? Que compreensão aquela senhora pedagoga e o excelentíssimo diretor da faculdade tinham de mim? Até hoje tenho muita raiva de pensar no assunto. Ali, não era eu a única considerada retardada, meus pais, minha fono, minha escriba, todos estávamos sendo considerados idiotas por essa faculdade. Será que eles realmente acharam que a ordem seria obedecida?

Imediatamente, a Aliandra (era esse o nome de minha escriba) me contou o que estava acontecendo e eu lhe disse para pegar o celular na minha bolsa e avisar meus pais que, àquela altura, já estavam fora da universidade.

Não deu nem cinco minutos e eu só vejo meu excelentíssimo pai, no hall da faculdade, gritando palavras como: Palhaçada! Palhaçada! Isto não passa de uma enganação, um engodo!! Nervoso, entrou na sala onde eu estava e me puxou com força da cadeira para que fôssemos embora. Foi aí que começou a gritaria. Estávamos no corredor e o diretor, a pedagoga e um superior a ambos tentavam acalmar meu pai, dizendo que foi um mal-entendimento de nossa parte. Foi aí que minha mãe também enlouqueceu e começou a chorar. Eu queria muito ir embora daí, pois odeio confusão. A certa altura, a senhora pedagoga disse que a culpa foi da Aliandra que não devia ter me alertado, pois eu nem perceberia a sua ausência. Aí foi a gota d’água. Mais gritos, mais choros e meu pai dizendo que ia processar aquela faculdade e divulgar para a imprensa o que estava ali acontecendo.

Era momento então de contemporização: o superior resolveu acalmar os ânimos, me abraçando e dizendo que eu faria a prova com a minha escriba. Voltei então à sala. Quando a prova chegou a senhora pedagoga sentou-se do meu lado e ainda pediu à Aliandra que estava do meu lado: dava para você se afastar um pouco?

Eu já estava exausta nesse momento e, numa troca de olhares, eu e Aliandra concordamos que ela se afastasse para que eu começasse a prova. Cínica e incompetente, esta senhora me ofereceu água e ao escutar minha resposta: não, obrigada... ela entendeu: está gelada? Que condições teria de fazer uma prova bem feita com esta senhora?

Mesmo com todos esses contratempos, fiz sim uma boa prova. Minha redação foi, inclusive, classificada entre as melhores daquele ano. Passei no vestibular de lá, mas jamais pensei em freqüentar aquela faculdade. Fomos sim, minha família lutar contra o preconceito que sofremos na justiça. Meu pai entrou com uma ação de danos morais contra aquela universidade. A tramitação do processo correu por um tempo, sem grandes avanços, porque era a nossa palavra contra a daquela instituição. O assunto morreu sem que houvesse nenhuma retratação da direção da faculdade.

Até mais,

bjo,

Carol

0 comentários:

" As pessoas têm medo das mudanças. Eu tenho medo que as coisas nunca mudem". Chico Buarque
 
Carolina - Um sonho a mais não faz mal
Design por João Elias - Topo ↑